Oleg Almeida: poeta e tradutor
Entrevista concedida a Raíssa Prioste e divulgada nas mídias sociais da Editora João e Maria a partir de 23 de fevereiro de 2025:
1. O senhor disse ter lido Um prisioneiro no Cáucaso, e as outras histórias que compõem nossa edição, ainda na infância. O que mais o impressionou nessas narrativas àquela data, e o que consegue ver hoje que não via então?
Oleg Almeida: De fato... Li aqueles contos sobre o Bulhka na primeira infância (aliás, fui alfabetizado em russo com a ajuda deles) e a novela heroica Aprisionado no Cáucaso, que fazia parte do currículo escolar, um pouco mais tarde, nos anos iniciais do ensino primário. Na época, fiquei empolgado principalmente com o lado externo dessas obras, com as peripécias nelas descritas. Agora que as releio numa idade bem mais madura, redescubro em suas páginas as mesmas ideias constantes dos romances “adultos” de Tolstói, a mesma busca pelos eternos valores humanos que norteia todas as atividades criativas dele.
2. Como tradutor experiente de Tolstói, com que diferenças se deparou ao traduzir seus textos infantojuvenis? Houve desafios específicos?
O. A.: Lev Tolstói é um escritor relativamente difícil de ler, um daqueles autores clássicos que nunca se abaixam para se emparelhar aos seus leitores, mas sempre querem que estes últimos cresçam para alcançar o nível deles mesmos. Daí um problema crucial que surgiu quando me encarreguei dessa tradução, o de torná-la acessível ao futuro público leitor, às crianças brasileiras que se interessam, em maior ou menor grau, pela literatura russa, mas ainda não a conhecem. Forneci à Editora João e Maria o texto de Tolstói traduzido com toda a exatidão possível, quase ao pé da letra, e esse texto foi devidamente editado no intuito de aproximá-lo, por mais arcaico e sofisticado que parecesse à primeira vista, de quem viesse a lê-lo em português. Assim o problema em questão ficou resolvido.
3. A literatura russa é celebrada no mundo inteiro por sua profundidade e pela radicalidade com que nos apresenta o ser humano. A seu ver, o que a faz ser desse modo, o que a torna tão memorável?
O. A.: A literatura russa se formou num país historicamente infeliz, que teve uma enorme experiência de sofrimento coletivo, passando por toda uma série de guerras e calamidades públicas, vivendo longos períodos de tirania e opressão sob o domínio de Ivan IV, o Terrível, Nikolai I e Stálin, aturando as mais diversas atrocidades tão horrendas quanto imotivadas. Nesse contexto sombrio, as obras literárias de tais mestres russos como Gógol e Dostoiévski, Tchêkhov e Górki, foram uma espécie de protesto, de luta espiritual por uma vida melhor, de “resistência pacífica ao mal” no dizer de Tolstói, uma tentativa (muitas vezes frustrada, mas continuamente renovada) de reacender o fogo divino na alma humana, cansada de tanto sofrer, embrutecida pelas cruéis provações que a afligiam ao longo dos séculos. Trilhando os caminhos abertos pelos seus confrades ocidentais, os escritores russos acabaram criando sua própria visão de mundo, voltada antes de fora para dentro que de dentro para fora.
4. Você acredita que Um prisioneiro no Cáucaso pode ser uma porta de entrada — tanto para os jovens quanto para seus pais — para a leitura de outros clássicos de Tolstói, Gógol ou Dostoiévski?
O. A.: Por que não? Como já disse agorinha, os escritos consagrados de Tolstói, especialmente seus grandes romances — Guerra e paz, Anna Karênina e A ressurreição —, têm um volume descomunal, possuem uma estrutura complexa, com centenas de personagens e episódios narrados, destacam-se pelo seu estilo bastante rebuscado — numa palavra, não são muito fáceis de ler. Uma pessoa jovem, inexperiente, despreparada para esse tipo de leitura pode ficar, logo de cara, decepcionada com ela. Portanto, é indicado, inclusive por vários pedagogos e psicólogos profissionais, começar uma leitura dessas por textos menos extensos e mais “leves”, cuja compreensão adequada não pressuponha nenhuma tensão desnecessária. Acredito, ou melhor, tenho a certeza de que tanto as crianças como seus pais lerão as histórias infanto-juvenis de Tolstói com igual interesse.
5. Que mensagem ou dica o senhor deixaria para os pais que lerão Um prisioneiro no Cáucaso com seus filhos?
O. A.: O único conselho prático que eu poderia dar aos pais dos nossos pequenos leitores consiste em explicar-lhes, desde o início da leitura e, se preciso, no decorrer dela, que não se trata nessa obra do Brasil e, sim, da Rússia antiga, de um país distante e diferente, cujos usos e costumes não se parecem tanto assim com os brasileiros, mas que, por outro lado, os sentimentos nobres e bonitos de nosso coração, vivamos onde vivermos e sejamos quem formos, não mudam em razão da distância nem do tempo, que a amizade e a coragem, a abnegação e a bondade são inerentes a qualquer um de nós, que nisso se revela o princípio celestial da nossa natureza terrena.